terça-feira, 25 de junho de 2013

Engenheira roda mundo construindo pontes em comunidades carentes


e1
Ter uma ponte para atravessar um rio a pé é item de primeira necessidade para milhares de comunidades ao redor do mundo. Em locais onde andar é parte essencial da vida, não ter essa simples obra de engenharia deixa a população isolada durante alguns meses do ano – nas épocas de cheia, atravessar muitos rios pode ser fatal, limitando o acesso a escolas, médicos, mercados, além do contato com o mundo. Para tentar sanar essa necessidade, a engenheira americana Avery Bang viaja o mundo construindo pontes para pedestres com a organização Bridges to Prosperity (Pontes para a Prosperidade).
Avery começou a trabalhar com a B2P, como é conhecida a organização, em 2006, após voltar de um intercâmbio em Fiji. Na época, ela era estudante de engenharia na Universidade de Iowa e quis estudar fora em um país que fosse diferente dos EUA.
“Eu queria muito ir para algum lugar onde a qualidade de vida e as coisas que as pessoas valorizassem fossem diferentes dos valores das pessoas dos países ocidentais desenvolvidos”, conta. “Eu venho de um local muito privilegiado, uma família normal americana, e em Fiji as pessoas que são mais pobres vivem da mesma maneira como há 500 anos. É um tipo de existência completamente diferente. Mesmo assim, senti que, apesar de todos os privilégios que temos nos EUA, as pessoas em Fiji eram talvez mais felizes.”
No país, ela visitou uma pequena vila na qual uma ponte para pedestres havia acabado de ser construída, mudando a realidade da população. “De repente, eles tiveram acesso durante o ano todo às escolas, aos serviços de saúde, aos mercados. Quando voltei para os EUA, falei: ‘quero construir pontes’.”
e2A construção nunca foi uma desconhecida na vida de Avery – seu pai também fez engenharia e trabalhava com a construção de pontes no Meio Oeste dos EUA. Visitar canteiros de obras fez parte dos fins de semana e feriados de sua infância. Ao voltar de Fiji, começou a procurar uma organização que promovesse esse trabalho. “Percebi que a única organização no mundo que tinha um foco global na infraestrutura de pontes para pedestres era a B2P.”
Durante dois anos, ela participou de projetos individuais enquanto terminava seus estudos. Seu primeiro projeto foi no Peru, onde participou da construção de uma ponte suspensa de 30 metros. “Foi um projeto bem pequeno e simples. Mas dois adolescentes haviam morrido um ano antes naquela região tentando atravessar o rio.”
Em 2008, Avery tornou-se a primeira funcionária em tempo integral da organização nos EUA, com o cargo de diretora de operações. Desde então, a organização cresceu 10 vezes – atualmente, ela é diretora executiva e principal rosto da B2P.
Até agora, cerca de 110 pontes foram concluídas em 17 países, principalmente na África e na América Central (também há projetos na Ásia e na América do Sul). Tudo isso com uma estrutura enxuta – atualmente são 16 funcionários fixos, distribuídos em seis países. O número de pessoas que trabalha em projetos individuais, entretanto, é bem maior – apenas no ano passado 350 pessoas foram enviadas para projetos ao redor do mundo.
Apesar de coordenar as operações, Avery continua viajando – ela estima passar cerca de quatro meses por ano na estrada, e em 2013 já foi para Nicarágua, Panamá, Ruanda e Tanzânia. “Já fui a 46 países com a B2P. Realmente tem sido uma experiência incrível.”
e3Orçamento
Segundo dados da organização, a construção de uma ponte em uma comunidade que antes dependia da natureza para se locomover aumenta em 18% a frequência das crianças nas escolas, em 24% o acesso a tratamentos de saúde, em 18% o número de mulheres empregadas, além de gerar um incremento de 15% no comércio local.
Para um impacto tão grande, o custo é relativamente pequeno – Avery estima que cada projeto custe, em média, US$ 25 mil – incluindo transporte, material e serviços de engenharia. O grupo prioriza o uso de mão de obra e materiais locais. Para isso, a comunidade escolhida deve ter interesse na construção e disponibilidade para ajudar.
Quando entrou na B2P, o orçamento anual da organização era de cerca de US$ 150 mil por ano. Para 2013, o orçamento já chegou a quase US$ 2 milhões. O dinheiro é obtido principalmente por meio de doações da indústria de engenharia. “Por meio de programas de responsabilidade social, as empresas nos ajudam enviando pessoal, dinheiro, às vezes experiência tecnológica. Também conseguimos parte do nosso dinheiro de pessoas que gostam do trabalho e resolvem fazer uma doação individual”, explica.
Isso permite que cada vez mais pontes sejam construídas – enquanto nos primeiros anos a organização construía de três a quatro pontes por ano, apenas nos cinco primeiros meses deste ano 31 projetos já foram iniciados.
e4Escolha das comunidades
A B2P tem princípios rígidos para a escolha dos países e comunidades nos quais fará seu trabalho. Os países são escolhidos com base no Rural Access Index, um índice do Banco Mundial que avalia o nível de isolamento da população.
“Tentamos trabalhar em países onde o índice é maior, mas também tem que casar com nossa habilidade para ajudar as pessoas. Em zonas de guerra, por exemplo, há demandas muito maiores do que a construção de pontes para pedestres. Então as pessoas não vão estar tão dispostas e interessadas em aprender a como construir estas pontes. Mas se formos a um local que tem um pouco mais infraestrutura, mais desenvolvimento em áreas urbanizadas, na maior parte das vezes há mais interesse”, explica Avery.
O interesse é fator fundamental para a escolha das comunidades. Elas precisam pedir a construção da ponte e estar dispostas a colaborar com mão de obra voluntária e material. “Nós recebemos muito mais pedidos do que poderemos construir um dia”, conta Avery. Apenas na Bolívia, a B2P fez em 2012 um trabalho de pesquisa em 47 locais com demanda – mas apenas cinco deles tiveram pontes construídas.
“Há algumas limitações tecnológicas, mas na maior parte das vezes o impedimento tem relação com a questão econômica, e a vontade da comunidade de colaborar”, explica. Por isso, uma comunidade que necessita de uma ponte, mas tem como prioridade a construção de um mercado, por exemplo, será desqualificada. “Eles têm que focar em conseguir primeiro o mercado, e nós vamos construir em outro lugar onde a comunidade prioriza a ponte.”
Origens e futuro
A B2P foi fundada por Ken Frantz, dono de uma construtora, em 2001. O primeiro projeto foi a recuperação de uma ponte no Rio Nilo Azul, na Etiópia, que precisou ser reparada novamente em 2006. A estrutura, entretanto, voltou a se deteriorar devido às cheias cada vez maiores do rio, e em 2009 foi preciso construir uma ponte totalmente nova – um projeto do qual Avery participou e que ela considera um dos mais marcantes de sua carreira.
“Era um vão de 100 metros, passei semanas dormindo em uma tenda para ajudar a construir a ponte. Tive muita honra em liderar aquele projeto. Estimamos que ele forneceu acesso para 10 mil pessoas”, relembra.
e5Atualmente, a organização tem convênio com diversas universidades, não apenas nos Estados Unidos, mas também nos países em que desenvolve projetos. O foco agora, segundo Avery, é disseminar o conhecimento para que mais pontes possam ser construídas.
“Estamos tentando tirar o foco de nós mesmos e pensar em como podemos treinar pessoas ao redor do mundo para construir estas pontes de baixo custo. Se eu posso construir 100 pontes, como faço para que sejam construídas mil? Queremos investir em treinamento, capacitação, descobrir como podemos deixar o conhecimento e a expertise para que o trabalho seja feito sem que estejamos lá”, explica Avery. Por isso, a organização prioriza trabalhar em países com um pouco mais de estrutura – ter estudantes de engenharia dispostos a continuar o trabalho é essencial.
A engenheira, que já recebeu diversos prêmios e reconhecimentos por seu trabalho, aconselha quem tem o desejo de fazer algo parecido a seguir seus instintos. “Eu sempre fui muito inspirada pelas pontes, sempre foi algo que fazia sentido para mim. Eu não precisei que alguém me convencesse ou dissesse para mim porque as pontes são importantes. É algo que já estava na minha alma. Então eu não me acomodei, sempre procurei algo que me deixasse empolgada, e não tive medo de começar pequeno. Basta achar algo que você goste de fazer.”
Fonte: G1

Nenhum comentário:

Postar um comentário